quarta-feira, dezembro 05, 2007

Antes que seja tarde (se já não for)

Quase dois meses sem escrever. Intervalo de muitas trilhas. Fui, voltei, fui de novo, retornei. Decidi por mim e pelos outros. Meu canto em vários outros (e queridos) cantos, eis o motivo. Passar para o outro lado. Atravessar-se.

Nesse entre, exercitei o básico, o viver com pouco, meio hippie, meio monge. Exercitei as pequenas coisas, como olhar o entardecer e rir de uma chuva de gelo. De me confundir no falar em público e, ao mesmo tempo, achar tudo patético. Mania de ter opinião. Isso é bom, disse uma amiga. Mas ser feliz tendo não só uma, mas várias opiniões. Compartilhadas e transitórias. Pois o mundo intimida a gente, e a gente, não por menos, intimida o mundo também. De fato, não estamos preparados, nem ele. E encarar o desafio parece, muitas vezes, loucura.

Talvez seja o charme dos trinta anos gritando ou a baianidade fincando seus orixás n'alma. O que sei e sinto é uma sensação de desapego de há tempos. Desapego que não é indiferença, mas o constatar que, se precisamos de pouco, esse pouco é viver o básico, que não é ser mediocre, mesmo sabendo que viver também é saber lidar com nossas mediocridades quando autoconscientes, se é possivel. Isso, viver o simples, e não simplório, é se tocar de que precisamos de muito pouco, mas um pouco que é muito. Acordar com o sol no rosto, tomar um café na varanda, ver de cima as pessoas e suas rotinas, andar cedinho comendo pão feito criança, conversar com o mar e com o vento.

Ao mesmo tempo, tentando essa simplicidade serena e inquieta, que tenho, me disseram, mas que não era tão consciente, enfim, tentando ser esse simples-sereno-inquieto, o complicado vira complexo e já é possível vislubrar coisas boas ainda por acontecer. Pra mim é. E de novo o jardim, e de novo a angustia de não ter tantas convicções, e de novo a nostalgia de amores mal vividos, e de novo... De fato, carregamos no corpo as lembranças de outrora, corpo que é mente pensante. Escrevemos com o corpo, disse Clarice, ele diz muito de nós, desapercebemos. E de novo, algo me diz algo, não um girassol, mas uma dúzia de flores (e brotos) do campo.

Algo como entender meu canto nos outros (e queridos) cantos por onde trilhei esses dias. Vi nos outros o exercicio da generosidade, da confiança, de ver que o melhor canto pra vivermos é aquele que é aberto para todos. Um canto que podemos entregar a chave pro outro sem receios. Tome, ele também é seu, fique à vontade, ele é nosso. Mas tome cuidado. Que nem as coisas do coração. Assumir de verdade os amores e, de verdade, eles acontecerem, serem viáveis, tornarem viáveis. Confesso, essa chave ai sou duro de entregar, não tanto quanto outrora. Ainda não tive alta, mas consideravel melhora.

Se escrevendo agora, constato que minha escrita é prolixa, não menos é minha vida. Faço algo já colocando em cheque esse algo, neurótico talvez. Ou mesmo, ficar que nem cachorro atrás do próprio rabo, doido de pedra, teimoso. Bingo, talvez seja isso: um cachorro correndo atrás do próprio rabo até que alguém chegue e o pegue nos braços, dê a ele um pouco de atenção. Mas será que isso resolve ou correr atrás do próprio rabo é procurar o improvável em nós mesmos? Lombra pouca é bobagem.

Diante disso, fiz assim. Relendo o que acabei de escrever, algumas palavras teimaram na minha mente. Hora do divã: entardecer, chuva de gelo, café na varanda, janela, jardim, convicções, chaves, cachorro, improvável. Pois o que fica é isso mesmo, um pouco que é muito, um dia que precisa amanhecer, uma tarde que precisa entardecer, uma noite que precisa anoitecer. E um mundo que precisa se humanizar nos detalhes. Antes que seja tarde, se já não for.


PS: "... o perto da janela, porque tem olhos profundos..."